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quero convidá-lo a acessar meu novo site leonardopalmeira.com.br. Lá você vai encontrar todo o conteúdo deste blog além de informações de utilidade pública, um manual prático para pacientes e muitas novidades.

O blog continuará no ar, porém novos artigos serão publicados somente no site oficial. Espero que gostem!

24 de agosto de 2006

Enxaqueca e Bipolaridade: Atualização


Quem sofre de enxaqueca sabe o quanto incapacitante é uma crise forte de dor de cabeça e como ela pode alterar o humor e o comportamento da pessoa. Irritabilidade, intolerância extrema, tristeza, ansiedade, agressividade, entre outras reações não são tão incomuns em pacientes que sofrem desse mal.
A enxaqueca é uma dor de cabeça forte que pode durar de 4 a 72 horas, pode ocorrer muito raramente, como uma vez por ano, mas pode ser freqüente, como uma ou mais vezes por semana. Não raramente a enxaqueca se associa a cefaléias de padrão crônico, que ocorrem quase diariamente.
Ela acomete até 18% das mulheres e 6% dos homens na idade adulta, com seu ápice em torno da terceira ou quarta década de vida. A alta prevalência e o acometimento de uma faixa-etária produtiva dá a dimensão do problema de saúde pública que a enxaqueca representa. Pior ainda quando ela está associada com problemas emocionais, como depressão, transtorno do pânico, distúrbios do sono, entre outros. O nível de incapacitação dessas pessoas para o trabalho, para suas atividades sociais e para o convívio familiar pode ser enorme e trazer complicações maiores por um efeito somatório do estresse que essa doença provoca.
A causa exata ainda permanece obscura, mas acredita-se que haja fatores genéticos e metabólicos envolvidos, como distúrbios do metabolismo da serotonina, dopamina, glutamato e noradrenalina no cérebro.
Recentemente pesquisadores vêm encontrando associações entre a enxaqueca e outros diagnósticos, como o Transtorno Bipolar do Humor (TBH). Um estudo do Canadá com 37 mil pessoas encontrou no grupo de pessoas com TBH uma frequência de enxaqueca até três vezes maior do que na população sem TBH. 15% dos homens e 34,7% das mulheres com diagnóstico de TBH tinham enxaqueca, enquanto ela só ocorria em 5,8% dos homens e 14,7% das mulheres sem o transtorno.
A enxaqueca parece ainda ter um efeito negativo em termos prognósticos para o TBH, com cursos mais graves e maior prejuízos para o trabalho e vida cotidiana. A ligação entre as duas doenças ainda não é conhecida, mas pesquisadores desconfiam que essa comorbidade possa identificar um sub-grupo de pacientes bipolares, com mais sintomas ansiosos, sintomas afetivos crônicos e tendência à auto-medicação.
Diante da alta prevalência de enxaqueca entre pacientes com TBH, passa a ser de fundamental importância uma avaliação criteriosa quanto à presença de TBH em pacientes atendidos inicialmente por enxaqueca. Mesmo porquê, a melhora clínica está relacionada ao tratamento combinado da enxaqueca e do TBH nesses pacientes, com pouca resposta terapêutica quando o diagnóstico de TBH não é contemplado.
Por Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira

26 de maio de 2006

Depressão Pós-Parto

Estudos sobre a Interação Mãe-Bebê na Depressão Pós-parto


Um artigo publicado em janeiro de 2006 em uma revista da área de Neurociência dedicada ao estudo do desenvolvimento cognitivo-emocional, chamada Developmental Review, faz uma revisão da literatura científica sobre as relações mãe-bebê na depressão pós-parto e traz revelações surpreendentes que nós clínicos desconfiávamos existir na interação de uma mãe deprimida com seu filho.

Os dados que apresento a seguir são do Departamento de Pediatria da Escola de Medicina da Universidade de Miami, EUA, e publicados por Tiffany Field, Maria Hernandez-Reif e Miguel Diego, resultados de mais de uma década de estudo nessa área.

Mães deprimidas são descritas como tendo dois padrões diferentes de comportamento durante suas interações com seus bebês:

  • Comportamento retraído ou desestimulante - mães que ficam cerca de 80% do tempo distantes de seus bebês e não respondem quando eles estão aflitos, incluindo pouca verbalização com a criança, pouco contato físico, dificuldade em olhar o bebê e atitudes negligentes.

  • Comportamento intruso ou super-estimulante - mães que cuidam de seus bebês de forma áspera e os tratam de maneira irritadiça ou agressiva em cerca de 40% do tempo, incluindo brincadeiras brutas, cutucões, puxões e beliscões.

Por sua vez, bebês de mães retraídas protestam até 30% do tempo e prestam atenção em suas mães em menos do que 5% do tempo, enquanto bebês de mães intrusas protestam apenas 5% do tempo, mas passam até 55% do tempo evitando suas mães. Portanto, existe uma resposta do bebê ao comportamento da mãe, o que tem sido foco de alguns estudos.

Estudos do Perfil Fisiológico e Bioquímico das Mães Deprimidas e seus Bebês

Num primeiro estudo os autores gravaram em vídeo as interações entre mães intrusas e retraídas e seus respectivos bebês aos 3 e 6 meses de idade e submeteram-nos nesses períodos a exames de Eletroencefalograma (EEG) e urina. As interações foram classificadas de acordo com escalas pré-validadas para a mãe e o bebê que avaliam diversos aspectos da interação, como atividade física, olhar, expressões faciais, vocalizações, nervosismo, dentre outros.

Mães intrusas demonstraram mais expressões de raiva e menos expressões de ansiedade, enquanto que mães retraídas mostraram menos expressões faciais em geral e obtiveram escores inferiores de interação com seus bebês. Os bebês de mães retraídas mostraram também menos expressões faciais, menor atenção dirigida às suas mães e escores de interação mais baixos do que os bebês de mães intrusas.

No terceiro e sexto mês mães intrusas tiveram maior ativação frontal esquerda pelo EEG e mães retraídas maior ativação frontal direita. Outros estudos relacionaram a ativação frontal esquerda ao comportamento de aproximação em adultos e a ativação frontal direita ao comportamento retraído. Já os bebês, tanto os de mães retraídas como intrusas, aos 3 meses apresentaram maior ativação frontal direita pelo EEG e, aos 6 meses, os bebês de mães intrusas mudaram o padrão de ativação para maior ativação frontal esquerda.

Os exames de urina avaliaram os níveis de adrenalina, noradrenalina, dopamina, serotonina e cortisol aos 3 e 6 meses. Ambos os grupos de bebês tiveram níveis aumentados de cortisol e dopamina aos 3 meses, mas aos 6 meses bebês de mães intrusas mostraram níveis mais elevados de dopamina do que bebês de mães retraídas, que apresentaram queda nos níveis de dopamina. Os níveis maiores de dopamina estão relacionados à mudança da ativação frontal direita para a esquerda no EEG em bebês de mães intrusas. Esse achado é consistente com a literatura que sugere que a dopamina é um neurotransmissor estimulatório e que níveis altos de dopamina estão associados com características como extroversão e aumento de energia, enquanto que níveis baixos com comportamento inibido, depressivo ou ansioso.

Com um ano de idade, bebês de mães intrusas são mais exploratórios e tem melhor desempenho em escalas de desenvolvimento mental do que as crianças de mães retraídas. Com um ano, mães intrusas têm menos sintomas depressivos do que mães com comportamento retraído.

Estudos do Toque de Mães Deprimidas com seus Bebês

A maioria dos estudos tem focado as expressões faciais e vocalizações das mães com seus filhos, demonstrando que mães deprimidas têm menor entonação e as expressões faciais mudam relativamente pouco em relação às mães saudáveis. O toque da mãe com o bebê tem sido menos estudado, mas é um dos comportamentos que mais diferenciam as mães intrusas das retraídas.

O toque positivo é um estímulo reconfortante. Em estudos que pediram para as mães fazerem uma cara inexpressiva para seus bebês, eles reagiram com mais ansiedade e desconforto do que no grupo em que as mães, além de fazerem a cara sem expressão, tocaram seus filhos. Isto é, bebês de mães deprimidas ficam menos aflitos quando são tocados pela mãe.

Um estudo que comparou 88 mães intrusas e retraídas, através de interações mãe-bebê filmadas, demonstrou que mães intrusas tocam seus filhos quase duas vezes mais do que mães retraídas (80% x 52%). Também houve maior incidência de toque negativo (p.ex. cutucar, puxar, rebocar) entre as mães intrusas (76% x 22%) e menor incidência de toques positivos (p.ex. brincadeiras gentis, carinho) do que em mães retraídas (4% x 30%). Portanto, mães deprimidas intrusas tocam mais seus filhos, mas de forma negativa, do que mães deprimidas retraídas.

A Percepção da Mãe em Relação ao seu Comportamento e ao Bebê

Um achado surpreendente na literatura é de que mães deprimidas percebem seus bebês mais negativamente do que as mães saudáveis, mas percebem seu próprio comportamento mais positivamente do que as mães saudáveis.

O resultado de um estudo com 30 mães deprimidas e seus bebês de 3-6 meses de idade revelou que mães intrusas reconheceram seu comportamento super-estimulante, mas já mães retraídas subestimaram seu comportamento quando confrontadas com gravações de mães igualmente retraídas, sugerindo que as mães retraídas tenham dificuldade em reconhecer o seu próprio comportamento desestimulante, apesar de reconhecerem esse comportamento em outras mães.

Em relação aos bebês, mães intrusas e retraídas julgaram seus bebês mais descontraídos e menos tímidos do que na avaliação dos observadores do estudo, mostrando que ambas têm dificuldade e resistência em avaliar seus filhos negativamente.

No mesmo estudo mães foram apresentadas a videos com crianças chorando. As mães intrusas demonstraram impaciência e raiva e mães retraídas ficaram mais aflitas, porém respondendo de forma desinteressada. O mesmo padrão de empatia pode ser demonstrado em filhos de mães deprimidas em idade pré-escolar. Um estudo gravou a resposta emocional de crianças de 3 anos quando suas mães fingiam ter se machucado. Novamente dois padrões principais de empatia foram observados, um impaciente-irritado e outro incomodado, mas desinteressado, sugerindo que as crianças possam imitar as respostas emocionais de suas mães.

Mães Deprimidas com Boa Interação com o Bebê e que não são Classificadas como Intrusas ou Retraídas

Algumas mães deprimidas não podem ser classificadas como intrusas ou retraídas por terem uma boa interação com seus bebês. Num estudo de acompanhamento por 1 ano o grupo de pesquisa da Universidade de Miami classificou o grupo de mães deprimidas da seguinte forma: 41% eram intrusas, 38% retraídas e 21% tinham boa interação com o bebê.

Nesse estudo eles compararam as mães deprimidas com boa relação com aquelas intrusas e retraídas. Essas mães tiveram escores melhores nas escalas de aproximação e inibição do que mães intrusas e retraídas respectivamente, reafirmando a superioridade qualitativa da interação com seus bebês.

Entretanto, o perfil bioquímico das mães deprimidas com boa interação foi semelhante às demais, com aumento de níveis de noradrenalina, e seus filhos também foram semelhantes aos filhos de mães intrusas e retraídas, com aumento dos níveis de cortisol e diminuição dos níveis de dopamina no período neonatal.

Filhos de mães deprimidas com boa interação não mostraram os altos índices de sono indeterminado como os bebês de mães retraídas ou intrusas, tiveram menor ativação frontal direita no EEG, obtiveram bom escores em escalas de desenvolvimento (semelhante a bebês de mães saudáveis), porém tiveram mais sintomas depressivos do que bebês de mães saudáveis. Isso sugere que bebês de mães com boa interação são menos desregulados do que bebês de mães intrusas ou retraídas, o que pode contribuir para que a mãe continue tendo um bom padrão de interação. Esse grupo de crianças também está menos sujeito a atrasos do desenvolvimento.

Conclusões

Esse artigo traz dados contundentes para refletirmos sobre a importância de prevenir a depressão pós-parto e, quando desencadeada, tratá-la efetivamente o quanto antes. Inúmeros trabalhos já chamaram a atenção para a importância das fases precoces do desenvolvimento da criança para a sua saúde psíquica, da necessidade da interação mãe-bebê para o desenvolvimento de nossa cognição, de nossas reações emocionais, entre outras funções essenciais. O desenvolvimento da linguagem, p.ex., está intimamente ligado à capacidade da mãe estimular a criança com conversas ou estórias.

Os primeiros anos na vida de uma criança são cruciais na formação das funções essenciais para a fase adulta e problemas da infância podem trazer prejuízos tardios ainda pouco conhecidos e explorados (leia a minha palestra sobre os Mecanismos de Adoecimento Psíquico publicada neste blog em 26/04/06).

Portanto, identificar ainda durante a gestação sinais de depressão é importante para uma intervenção mais precoce. Os obstetras precisam estar atentos aos aspectos emocionais da gestante, bem como os pediatras precisam observar a mãe e sua interação com o bebê, para encaminhá-las ao especialista no primeiro sinal de depressão (leia mais sobre depressão pós-parto no meu artigo sobre Depressão e Transtorno Bipolar publicado neste blog em 10/05/06).

A maioria dos casos de depressão pós-parto chegam ao psiquiatra com 6 meses ou 1 ano de atraso, quando já há muitos prejuízos para a mãe e seu bebê, quando as relações disfuncionais estão cristalizadas.

O tratamento da depressão pós-parto envolve medicação e terapia. Os antidepressivos são os medicamentos de escolha, havendo antidepressivos que podem ser tomados sem prejuízos à amamentação, preocupação que muitas vezes afasta a mãe do tratamento, por medo de ter que interromper o aleitamento. A terapia deve focar aspectos emocionais e preocupações da mãe, produzindo reflexões e estimulando a auto-crítica em relação aos padrões de comportamento na interação com o bebê, valorizando o contato positivo. Algumas técnicas como treinamento de interações mãe-bebê em sessões conjuntas e o uso da música como intervenção mostraram-se eficazes em alguns estudos.

10 de maio de 2006

Depressão e Transtorno Bipolar em Foco

O grito (1893) - Munch

Do Sintoma à Doença:

As Diferentes Apresentações da Depressão e a Relação com a Bipolaridade.
Por Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira



A depressão é a síndrome mental mais comum e está presente em até 25% da população ao longo da vida, o que significa que 1/4 das pessoas experimentará um episódio depressivo ao longo de sua história.

Por ser muito comum, o entendimento do que é depressão difere entre o público leigo e os médicos. Hoje em dia, uma tristeza passageira ou uma reação de luto pela perda de uma pessoa querida são logo definidas como depressão pelo público. A depressão tem sido relacionada pela mídia a uma reação natural das pessoas à modernidade, às dificuldades sócio-econômicas, às mudanças nas relações humanas e trabalhistas, como se o psiquismo de cada um respondesse da mesma maneira às condições adversas da vida.

Mas será que todos os estados que comumente definimos como depressão são considerados pela medicina como a mesma doença? Todas as formas de depressão são iguais e tratadas da mesma forma? Como diferenciar os estados depressivos bipolares e unipolares? Esse artigo é direcionado ao público em geral e pretende, através de uma linguagem acessível, explicar as variadas formas de depressão e seus tratamentos.

A seguir apresento os dois tipos principais de depressão atualmente aceitos pelos Manuais Diagnósticos de Psiquiatria.



A depressão melancólica ou clássica


Na década de 70 havia uma diferenciação entre depressão “endógena” e “exógena”. A “endógena” era considerada como um estado melancólico, de tristeza profunda, que "vinha de dentro" (por isso endógena), sem causa externa aparente. A depressão “exógena” era considerada reativa, deflagrada por traumas, perdas, separações, etc, e representava a maioria dos casos. Essa conceituação dividiu as depressões em reativas e não-reativas e era comum ouvir que a depressão verdadeira era aquela em que a pessoa não sabia o motivo da tristeza. Com a evolução dos estudos sobre a depressão e suas causas, essa classificação caiu por terra, reconhecendo-se que seja qual for a causa da depressão, tenha ela uma causa identificada (exógena) ou não (endógena), isso não era determinante para a sua gravidade, curso e prognóstico. Portanto, a maneira como cada um responderá ao ambiente, seja qual for a intensidade ou a qualidade do fator desencadeante, dependerá das características individuais de temperamento, personalidade, capacidade de solução de problemas e de superação das dificuldades.

Os pesquisadores passaram então a valorizar mais a apresentação sintomática das depressões do que propriamente suas causas, descrevendo com detalhes os sintomas depressivos, como a tristeza profunda, a apatia, o desânimo, o retardo psicomotor, a falta de vontade por vezes até para as atividades essenciais, como se alimentar, cuidar de sua higiene, arrumar-se, etc.

A depressão clássica é considerada pelos seguintes sintomas, com duração superior a duas semanas consecutivas, trazendo prejuízos para a vida familiar, social ou laborativa:

Tristeza durante a maior parte do dia e num grau que cause algum prejuízo para as atividades: pacientes que choram com facilidade ou a maior parte do tempo, que têm um olhar e uma fisionomia triste, que são melancólicos, pessimistas, derrotistas. Em geral os pacientes se queixam de uma tristeza mais forte pela manhã, aliviando um pouco ao longo do dia e à noite. Em casos graves, o paciente pode estar tão triste que desenvolve o que chamamos de “sentimento de falta de sentimento”, ou seja, o paciente está tão deprimido, que não consegue sequer experimentar tristeza.

Desânimo: falta de vontade que pode se estender a tudo, inclusive falta de vontade de se alimentar, de tomar banho, de trocar de roupa, de arrumar-se, de sair de casa, de limpar a casa ou de fazer qualquer tarefa. O desânimo pode evoluir para total apatia, quando o paciente quase não fala, interage pouco com a família, tem um olhar vago e perdido, fica muito tempo parado numa mesma posição, totalmente desmotivado.

Anedonia ou falta de prazer: quando o paciente não tem prazer nas atividades das quais antes gostava, como exercícios, músicas, filmes, leituras, teatros, bate-papos, saídas com amigos, etc. O paciente deixa de se envolver em atividades prazerosas por não ser mais capaz de sentir prazer.

Pensamentos negativos, niilistas, de culpa, ideação suicida, baixa auto-estima: o pensamento na depressão está sempre afetado. O paciente pode pensar negativo, ser pessimista, achar que tudo vai dar errado, acreditar que não sirva mais para nada, culpando-se excessivamente, com baixa auto-estima, sem autoconfiança, julgando-se incapaz para tudo, e em casos graves pode ter delírios, em geral com conteúdos negativos, como, p.ex., achar que é culpado pela miséria do mundo, pela fome, pelas guerras, achar que tem uma doença grave ou que seus órgãos estão podres e sem funcionar (essa última conhecida como Síndrome de Cotard). O pensamento pode ficar lento, o paciente pode ter dificuldade em se expressar, em encadear suas idéias, ter a sensação de estar com a cabeça vazia, sem pensamentos.

Sensopercepção: o paciente pode perceber o mundo ao seu redor “preto e branco”, sem vida, achar as pessoas diferentes, etc. Em casos mais graves pode ter alucinações.

Motricidade: os movimentos podem estar lentos, assim como a fala. O paciente pode passar a maior parte do dia deitado ou sentado numa mesma posição. Em casos graves pode ocorrer a Catatonia, quando há ausência de resposta motora ou verbal ao meio, apesar do paciente estar acordado.

Sintomas neurovegetativos: pode ocorrer insônia, em geral insônia terminal, aquela em que o paciente dorme, mas acorda precocemente, às três ou 4h da manhã e não consegue dormir mais, vendo o dia clarear. Ocorre comumente inapetência ou perda do apetite, com conseqüente emagrecimento. Não é incomum pacientes graves darem entrada no hospital por desnutrição e serem diagnosticados como deprimidos graves somente nesse estágio. Outros sintomas como desidratação, constipação ou diarréia, perda de cabelo, lesões de pele, entre outras podem ser conseqüências dos sintomas depressivos anteriormente descritos.

Crítica de morbidade: o paciente pode não ter completa consciência do seu estado de saúde, pode recusar-se a ir ao médico ou menosprezar seus sintomas, pode recusar a medicação e atuar contra o tratamento, numa atitude para perpetuar a depressão, seja por questões suicidas ou por falta de vontade de melhorar.

Déficits cognitivos: a capacidade de concentração e a memória são as funções cognitivas mais comumente afetadas na depressão. O paciente pode ter dificuldade em manter o foco da atenção em atividades como leituras, produção de textos e cálculos, dificuldade para lembrar-se de fatos recentes (déficit de codificação de informações novas na memória) ou remotos (déficit de evocação de informações já armazenadas na memória). Entretanto, acometimentos mais extensos da memória, que podem se assemelhar a quadros demenciais, são raros e ocorrem apenas em depressões graves (chamamos de “pseudodemência”). Nesses casos, o paciente pode ficar desorientado no tempo e espaço, esquecer completamente de fatos recentes e ter dificuldade para aprender informações novas. O estado nutricional (p.ex. hipovitaminoses) pode contribuir para a deterioração cognitiva.



A Depressão Atípica


A depressão clássica e a atípica têm alguns sintomas em comum (tristeza, desânimo, anedonia, déficits cognitivos, etc), mas a atípica possui alguns sintomas opostos aos da depressão clássica: a característica central da depressão atípica é a oscilação do humor, conhecida por reatividade do humor. A reatividade do humor é a capacidade do paciente mudar seu humor, positiva ou negativamente, frente aos acontecimentos do dia-a-dia. Enquanto que na depressão clássica o humor varia pouco com fatos positivos e prazerosos, na depressão atípica o paciente pode ter uma melhora instantânea do humor diante de fatos positivos e o mesmo vale no caso dos fatos negativos, agravando o humor para o pólo depressivo. Outras características que definem a depressão atípica são a hipersonia, que é a necessidade aumentada de sono, com sonolência ao longo do dia ou vontade de ficar na cama "cochilando", e a hiperfagia, que é o aumento do apetite, podendo ocorrer generalizadamente ou seletivamente para doces ou através de compulsões alimentares periódicas. Por isso, pacientes com depressão atípica têm uma tendência a ganhar peso. Outro aspecto é a hipersensibilidade à rejeição, quando o paciente responde muito negativamente, com raiva ou isolamento, a fatos cotidianos que lhe desagradam ou decepcionam, com pouca flexibilidade em aceitar outras alternativas além daquelas esperadas. Sensação de peso nas pernas (como se as pernas fossem de chumbo) também tem sido associada à depressão atípica. Clinicamente esses pacientes parecem "menos deprimidos" do que os deprimidos clássicos e muitas vezes têm dificuldade em reconhecer-se como deprimidos. Apesar do grande sofrimento (são mais ansiosos do que os deprimidos típicos), demoram a procurar ajuda médica e têm um curso mais crônico.



Outras Apresentações de Depressão


As depressões descritas a seguir não são classificações contidas nos Manuais Diagnósticos atuais, mas são tipos comumente encontrados na população e merecem ao meu ver uma consideração à parte. Além dos sintomas depressivos descritos anteriormente, elas cursam com sintomas adicionais que estão presentes em outras condições psiquiátricas e que modificam a apresentação clínica da depressão, muitas vezes dificultando o diagnóstico e alterando o curso evolutivo da doença. Na sua maioria, os sintomas depressivos que mais encontramos nesses subtipos são os que ocorrem na depressão atípica.


Depressão com Sintomas Obsessivo-compulsivos

Alguns pacientes adquirem, durante o episódio depressivo, compulsões, que são rituais repetitivos para descarregar a ansiedade, em geral provocada por pensamentos intrusivos e desagradáveis que chamamos de obsessões. Compulsões como de limpeza (lavar as mãos diversas vezes ao dia, tomar vários banhos, mania de limpar a casa, etc) por preocupação exagerada com a sujeira ou contaminação por germes da rua, compulsões de checagem, desenvolvendo o hábito de checar o gás para ver se ele está fechado, a porta de casa para ver se está trancada ou sair de casa e retornar diversas vezes para ver se a fechou direito, entre outras checagens, compulsões de arrumação e simetria, com fixação em arrumar a casa, armários, quartos, pertences pessoais ou dispor as coisas simetricamente, estão entre as compulsões mais comuns. O que difere esses pacientes daqueles com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é que as compulsões ocorrem exclusivamente durante o episódio depressivo. Em geral, esses pacientes livram-se completamente das compulsões com o tratamento e a remissão da depressão.


Depressão Ansiosa

A depressão é freqüentemente acompanhada por ansiedade, que pode se expressar de maneiras diversas no organismo, através de somatizações (dores, dormências, paralisias, desmaios), crises de pânico ou ansiedade generalizada (sudorese, taquicardia, tremores). Por vezes, a ansiedade é mais incômoda do que a própria depressão. Os pacientes com depressão ansiosa são muitas vezes inquietos e estão sob um risco maior de suicídio pela gravidade de seus sintomas ansiosos. Vale ressaltar subtipos que vemos com mais freqüência na população, como a Depressão com Ataques de Pânico, em que pacientes sem história prévia de Transtorno do Pânico desenvolvem ataques de pânico quando na fase depressiva, e a Depressão Fóbica, em que pacientes desenvolvem fobias variadas (como medo de sair na rua sozinho, medo de lugares fechados ou de transportes coletivos, fobia social, etc) como parte da depressão.


Depressão com Ataques de Raiva

A depressão pode vir acompanhada de ataques de ira e agressividade verbal e física. Nesses casos a família do paciente estranha esses comportamentos violentos, pois eles não eram habituais antes da depressão. A depressão com ataques de raiva freqüentemente vem acompanhada mais por irritabilidade e intolerância do que por humor deprimido propriamente dito, embora esses pacientes se sintam tristes. Cabe ressaltar que o comportamento violento nesses casos desperta depois um forte sentimento de culpa, fazendo com que o paciente se arrependa. Apesar disso, dado o forte componente impulsivo dessa depressão, ele tem dificuldade em se conter em situações que lhe despertem raiva.


Depressão com Compulsão por Comprar

Alguns pacientes têm necessidade de comprar durante a fase depressiva, indo a shoppings e supermercados para comprar objetos não necessariamente caros, como forma de aliviar temporariamente a angústia. Como o alivio é de curta duração, acabam comprando compulsivamente.


Depressão com Aceleração do Pensamento

O paciente fica durante a fase depressiva com muitos pensamentos confundindo a sua mente, às vezes com dificuldade de encadear suas idéias e se expressar, por sentir seus pensamentos acelerados. Costumam ter grande dificuldade de concentração e, conseqüentemente, alterações de memória, com esquecimentos freqüentes. A família percebe o paciente muito falante, mudando rapidamente de assunto, como se estivesse ligado numa tomada de 220 Volts.


Depressão Agitada

É o equivalente motor da depressão anteriormente descrita. Pacientes ficam inquietos, não conseguem ficar parados, andam de um lado a outro da casa, precisam estar sempre em atividade. Nos casos mais graves, os pacientes ficam extremamente agitados, podendo chegar à agressividade física ou a quebrar objetos, rasgar suas roupas, etc.


Depressão com Abuso de Substâncias Psicoativas

Alguns pacientes deprimidos sentem um desejo ou vontade aguçada de usar substâncias estimulantes ou entorpecentes (legais ou ilegais), como álcool, cafeína, anfetamina, maconha, cocaína, entre outras, e acabam fazendo uso abusivo dessas substâncias ao longo do episódio depressivo. Esses pacientes têm um risco maior de se tornarem dependentes de drogas.

Na prática clínica esses sintomas não se agrupam necessariamente dessa forma, sendo comum pacientes apresentarem um ou mais aspectos de diferentes subtipos de depressão. O fundamental é estar atento a sintomas que não são necessariamente depressivos, mas que podem estar presentes nas depressões, causando um sofrimento maior para o paciente e muitas vezes dificultando o diagnóstico e tratamento.



O Conceito de Bipolaridade


O Transtorno Bipolar do Humor (TBH) era conhecido há tempos atrás como transtorno maníaco-depressivo ou mais popularmente como PMD (psicose maníaco-depressiva). Ele foi inicialmente descrito no início do século passado por um psiquiatra alemão chamado Emil Kraepelin. Para entender o conceito novo de Espectro Bipolar, que inclui diferentes apresentações da antiga PMD, é necessário fazer um resgate histórico da descrição de Kraepelin.

Kraepelin considerava o TBH um continuum entre a depressão e a mania. A mania é descrita como um estado de elevação do humor, com euforia, sentimento de grandiosidade, eloqüência, hiper-excitabilidade, aumento de energia e vontade, perda de crítica e comportamento desinibido, diminuição da necessidade de sono, aumento da velocidade da fala e do pensamento, pressão para falar, aumento de libido, entre outros sintomas. Entre os extremos, denominados de pólo maníaco (mania) e pólo depressivo (depressão clássica), Kraepelin considerava estados mais leves de depressão (depressão leve) e de mania (hipomania) e estados mistos de humor (mistura de sintomas depressivos e maníacos ou hipomaníacos).

Os estados mistos de humor são mais difíceis de serem identificados e Kraepelin considerava haver ao menos cinco tipos. Para reconhecê-los, Kraepelin considerava três funções psíquicas centrais: humor, pensamento e psicomotricidade.

Os estados mistos resultariam da discrepância entre essas três funções, quando humor, pensamento e psicomotricidade deixassem de apontar num mesmo sentido. Assim sendo, um quadro com humor deprimido com pensamento e/ou motricidade acelerados seria considerado como estado misto. Veja a tabela a seguir com os 5 tipos mistos de Kraepelin destacados em negrito.



Esses conceitos vem sendo atualmente trabalhados por pesquisadores como Hagop Akiskal para uma melhor adequação ao espectro bipolar.


Hipomania

Segundo estudos recentes, a hipomania e os estados mistos do humor estariam sendo sub-diagnosticados, inflando a categoria diagnóstica de Depressão Unipolar (aquela que cursa somente com episódios depressivos puros, sem mania, hipomania ou estados mistos). Alguns autores apontam para até 60% de erro diagnóstico, ou seja, numa amostra de pacientes diagnosticados como Depressão Unipolar haveria até 60% de pacientes deprimidos com TBH (depressão bipolar). Isso em grande parte decorre da dificuldade em se fazer um diagnóstico de hipomania ou de estado misto.

A hipomania é mais difícil de reconhecer do que a mania, pois muitos sintomas hipomaníacos podem ser considerados "normais" ou aceitos dentro de um determinado contexto sócio-cultural. Akiskal dividiu, então, aspectos da hipomania em uma parte boa (sunny side) e outra ruim (dark side).

O Lado Azul da Hipomania (Sunny side of Hypomania)

· Menor necessidade de sono;
· Mais energia e desejo;
· Maior autoconfiança;
· Maior motivação para o trabalho;
· Mais atividades sociais;
· Mais atividade física (inclusive no trabalho);
· Mais planos e idéias;
· Menos inibição e menos timidez;
· Mais falante do que o usual;
· Humor extremamente alegre, eufórico;
· Mais trocadilhos, piadas e brincadeiras, rindo mais;
· Pensamento mais ágil.

O Lado Negro da Hipomania (Dark side of Hypomania)

· Mais viagens;
· Direção imprudente;
· Aumento de gastos e/ou compras;
· Comportamento "tolo", infantil, inconseqüênte no trabalho e em investimentos;
· Mais irritável impaciente;
· Muito distraído, com dificuldade de focar a atenção por muito tempo;
· Aumento do desejo e interesse sexual podendo afetar o comportamento sexual(promiscuidade, envolvimentos afetivos desastrosos);
· Aumento do consumo de café e cigarros;
· Aumento do consumo de bebidas alcoólicas.

A hipomania pode durar de dias a semanas, mas alguns pacientes oscilam de humor rapidamente dentro de um mesmo dia, podendo variar de sintomas depressivos a sintomas hipomaníacos em questão de horas. Nos episódios mistos, os sintomas hipomaníacos coincidem com sintomas depressivos. É o caso de um paciente que tem humor deprimido, mas mantém uma vida social agitada, bebe um pouco a mais, tem períodos de alegria ou euforia, não perde a libido, faz gastos excessivos, compra demais, consome muito café e mantém-se ativo.


Episódios Mistos e Temperamento

O aumento da atividade, seja ideativa (através da aceleração do pensamento), seja motora (através da inquietação e hiperatividade), tem sido considerado como aspecto central dos episódios mistos, o qual permite diferenciar a depressão clássica ou "pura", da depressão com algum componente hipomaníaco.

O temperamento da pessoa parece ter uma participação fundamental na forma de apresentação da depressão ou da mania. Kraepelin descreveu 5 temperamentos distintos:

1. Temperamento depressivo - caracterizado por mau-humor preponderante, pessimismo, fatalismo, derrotismo, ou seja, o indivíduo conhecido como "rabugento".


2. Temperamento hipertímico - caracterizado por humor preponderantemente alegre, extrovertido, comunicativo, simpático, com atitude teatral e cativante.


3. Temperamento ciclotímico - caracterizado por mudanças súbitas de humor e imprevisibilidade. A pessoa ora está bem humorada, ora está com mal-humor e irritabilidade.


4. Temperamento irritadiço - caracterizado por humor preponderantemente irritado, que facilmente explode, impaciente, com baixa tolerância à frustração.


5. Temperamento ansioso - caracterizado por humor ansioso, com sensações desagradáveis de ansiedade como tremores, sudorese ou taquicardia, sempre com reações ansiosas em situações específicas (provas, trabalho, entrevistas, situações sociais, etc).

O temperamento é o tônus afetivo que acompanha a pessoa ao longo da vida e certamente existirão outros tipos a serem descritos. Ele é o pano de fundo no qual se inserem os episódios afetivos maiores (p.ex. depressão ou mania). A interação desses dois pode resultar em apresentações diversas. Enquanto, p.ex., uma pessoa com temperamento depressivo (TD) estará mais propensa a desenvolver episódios puros de depressão (depressão+TD=depressão pura) e episódios mistos de mania (mania+TD=mania depressiva), uma pessoa com temperamento hipertímico (TH) tenderá a desenvolver episódios maníacos puros (mania+TH=mania pura) e episódios depressivos mistos (depressão+TH= depressão agitada).

O temperamento não é sinal de doença e nem de que aquela pessoa vá desenvolver um episódio afetivo maior, mas me parece razoável que o temperamento, como algo mais estável do que o humor, tenha um papel crucial na apresentação de uma depressão ou de uma mania naquela pessoa.

Grande parte das depressões consideradas no início desse artigo são depressões mistas ou bipolares, pois existem alguns sintomas que estão em direção oposta à depressão. As depressões agitada e ansiosa, p.ex., cursam com aumento da psicomotricidade, inquietação, ou mesmo agitação. As depressões com sintomas obsessivo-compulsivos ou com aceleração do pensamento cursam com aumento do trânsito de pensamentos ou mesmo com aceleração de idéias. As depressões com compulsão por comprar, com interesse maior em sexo ou com abuso de substâncias caracterizam-se por aumento do desejo canalizado para alguma atividade, o que não é habitual nas depressões clássicas. Nesses casos é importante pesquisarmos se há história de hipomania (o que com freqüência encontramos) ou mesmo mania, bem como entendermos o temperamento daquela pessoa para compreender que influências ele tem sobre os sintomas.


Depressão Bipolar

A depressão bipolar é caracterizada por sintomas depressivos, que geralmente são atípicos (reatividade do humor, hipersonia, hiperfagia), mas que também podem ser típicos ou clássicos (melancolia, lentificação do pensamento e da psicomotricidade, insônia, inapetência), pela presença ou não de sintomas mistos (não-depressivos), como p.ex. aceleração do pensamento, aumento de libido, aumento de gastos, aumento da atividade, e geralmente por uma história prévia de episódios hipomaníacos (mais freqüente) ou maníacos.

Contudo, é importante lembrar que a maioria dos transtornos bipolares do humor inicia-se por episódios depressivos e, dependendo do momento do diagnóstico, alguns pacientes não terão história prévia de episódios hipomaníacos ou maníacos. Nesses casos, o diagnóstico deve ser feito com base nos sintomas do episódio depressivo somente, o que pode ser particularmente difícil. Mas é fundamental um diagnóstico correto nessa fase, pois o uso de antidepressivos pode agravar o quadro ou mesmo desencadear um episódio maníaco indesejado. As apresentações depressivas descritas anteriormente são uma boa pista para o diagnóstico de depressão bipolar. Outra dica boa é a consideração de Kraepelin sobre estados mistos e estar atento aos aspectos mistos do humor num episodio depressivo (tristeza com aceleração do comportamento e/ou do pensamento). Na dúvida, a recomendação de pesquisadores como Akiskal é sempre "pensar bipolar", principalmente se houver durante a depressão sinais de:

. Sintomas tipo pânico (taquicardia, falta de ar, sudorese, sensação de desmaio);
. Sintomas alimentares (compulsão alimentar, bulimia);
. Descontrole de impulsos (p.ex. agressividade, jogo patologico, cleptomania, comprar compulsivo);
. Sintomas obsessivo-compulsivos (compulsões - limpeza, checagem, simetria, etc, e obsessões);
. Ideação suicida intensa ou tentativas de suicídio;
. Fobias (medos injustificados, como de sair à rua sozinho, de freqüentar lugares fechados ou cheios, fobia social, etc);
. Sintomas psicóticos (alucinações, delírios, desorganização do pensamento e do comportamento);
. Abuso de substâncias estimulantes e/ou álcool;
. Presença de déficits cognitivos - alterações de atenção e memória, sem sintomas depressivos importantes que os justifiquem (dissociação cognitivo-psicopatológica).

São sinais de alerta para o diagnóstico de Transtorno Bipolar (independente do episódio atual ser depressivo, hipomaníaco ou maníaco):

. Início precoce (infância, adolescência ou idade adulto jovem);
. História familiar de bipolaridade;
. História familiar de alcoolismo, dependência química, suicídio, psicose;
. Abuso de substâncias (álcool, drogas ilícitas, anfetaminas);
. Transtornos de Ansiedade quando complexos, graves, atípicos ou difíceis de tratar (incluindo Pânico Transtorno Obsessivo-compulsivo - TOC, Fobia Social, Ansiedade Generalizada, Dismorfofobia, e outros como Bulimia e Transtornos do Impulso);
. Regra dos "3 ou mais": 3 antidepressivos, 3 médicos, 3 diagnósticos/3 transtornos ansiosos, 3 casamentos, 3 trabalhos, 3 talentos, etc.


Depressão e TBH na Mulher


A depressão é duas vezes mais freqüente na mulher do que no homem e pode ocorrer sob influências dos hormônios femininos (estrogênio). São exemplos o Transtorno Disfórico Pré-menstrual (TDPM), a Depressão Puerperal ou Pós-parto e a Depressão na Perimenopausa ou Menopausa.

O TBH também é mais comum entre mulheres e as mulheres têm mais episódios depressivos e hipomaníacos do que os homens, com episódios maníacos equivalentes entre os sexos. Portanto, mulheres bipolares têm mais diagnósticos de depressão e usam mais antidepressivos. Essa talvez seja uma das razoes para as altas taxas de ciclagem rápida (mudança rápida de um pólo depressivo a um pólo maníaco/hipomaníaco e vice-versa) entre as mulheres (70% versus 20%).

As mulheres com TBH têm também maior comorbidade com doenças da tireóide, enxaquecas, obesidade e alcoolismo.


Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM)

O TDPM, vulgarmente conhecido como TPM, é sub-diagnosticado por ser uma condição de saúde pouco reconhecida como doença. Por motivos culturais, muitas mulheres aceitam os sintomas como "naturais" de seu ciclo hormonal.

O TDPM é um distúrbio do humor caracterizado por irritabilidade/intolerância, tristeza, ansiedade, maior sensibilidade e choro fácil, cansaço físico ou hipersonia, hiperfagia (geralmente para doces), que ocorre de dias a semanas antes da menstruação. Algumas mulheres têm a síndrome incompleta, de forma mais branda e poucos dias antes, não justificando um tratamento. Porém outras têm intenso sofrimento, até duas semanas antes da menstruação, com prejuízos para as suas relações pessoais e de trabalho, necessitando de tratamento.

O TDPM está associado a um risco maior da mulher desenvolver episódios afetivos ao longo da vida, particularmente depressivos. No Transtorno Bipolar do Humor o TDPM está presente em até 1/4 das mulheres. É comum mulheres com TDPM relatarem períodos em que se sentem numa "eterna TPM", o que deve servir de alerta para um diagnóstico de episódio depressivo distinto.


Depressão Pós-parto

A depressão pós-parto ocorre em 10% das puérperas e tem início dias após o parto, podendo ocorrer mais tardiamente, dentro de um período de 6 meses. Ela deve ser diferenciada da tristeza pós-parto, muito mais freqüente.

Algumas particularidades da depressão pós-parto, para além dos sintomas depressivos gerais, são:

. Sentimento de fracasso e incompetência materna e sentimentos de culpa;
. Preocupações excessivas com a saúde e bem-estar do bebê, desenvolvendo gradativamente uma atitude superprotetora e cerceadora;
. Dependência emocional em relação ao bebê, com dificuldade de distanciar-se dele, de sair sozinha de casa, em casos graves não suportando ficar muito tempo em outro cômodo da casa que não seja na companhia dele;
. Desenvolve hábitos repetitivos (compulsivos), como de ir diversas vezes ao quarto do bebê para ver se está tudo bem, de tirar a temperatura, de examinar as fraldas, etc.
. Torna-se facilmente impaciente e pode ter reações agressivas e perder o controle com o bebê;
. Pode desenvolver crenças de que o bebê está doente, é frágil e que pode morrer.


Conseqüências principais:


. O bebê desenvolve um apego excessivo à mãe, com maior dificuldade para o desmame e adaptação a outros ambientes (p.ex. creche);
. O bebê fica mais ansioso e inquieto, dorme mal, chora mais;
. Prejuízos para o casamento, distanciamento do esposo, mudança qualitativa na relação homem-mulher;
. Dificuldade maior de retorno ao trabalho, com prolongamento da licença maternidade.

A depressão pós-parto pode agravar-se por idéias de suicídio da parte da mãe ou idéias de matar o bebê e se matar. Embora mais raro, podem ocorrer delírios e alucinações, evoluindo para uma Psicose Pós-parto.

A depressão pós-parto pode ser um episódio dentro de um transtorno do humor. Até 40% das mulheres com TBH tem o início do transtorno através de um episódio depressivo pós-parto e mais de 50% das pacientes com TBH tem recaídas por ocasião da gravidez e do parto. Ela pode ser crônica, com duração de até 1 ano, e até 70% das mulheres pode ter recaídas ao longo da vida, principalmente se a depressão pós-parto for um episódio de um TBH.


Depressão na Menopausa

A perimenopausa e a menopausa estão freqüentemente associadas à depressão. Essa aceitação também faz com que mulheres não procurem tratamento especializado, acreditando que a depressão é "natural e passageira", o que é um equívoco. A depressão na menopausa pode ser crônica, incapacitante e está associada a um risco maior de suicídio. Os sintomas vasomotores da menopausa (fogachos, p.ex.) também são mais freqüentes entre mulheres deprimidas do que naquelas que passam pela menopausa sem depressão.

A depressão na menopausa também é mais comum em mulheres com história de depressão ou de TBH, época em que pode ocorrer uma piora dos sintomas. Depressão passada e uso de antidepressivos estão associados a um risco maior de menopausa precoce.


Tratamento


O tratamento dos episódios depressivos é em geral com medicamentos antidepressivos. Entretanto, em se tratando de um TBH, existe o risco do antidepressivo piorar os sintomas e a evolução da depressão, tornando-a crônica ou mesmo desencadeando um quadro oposto à depressão, como um quadro maníaco ou hipomaníaco (o que denominamos "virada maníaca"). Num paciente bipolar, o antidepressivo pode deixá-lo mais agressivo, impulsivo ou ansioso, pode piorar a ideação suicida e precipitar uma tentativa e esses sintomas devem servir de alerta para uma mudança no tratamento.

Os medicamentos que atualmente tratam com segurança e eficácia o TBH e a depressão bipolar são os estabilizadores de humor. Os mais conhecidos são: Carbonato de Lítio (Carbolitium), Ácido Valpróico (Depakote), Lamotrigina (Lamictal), Oxacarbazepina (Trileptal) e Carbamazepina (Tegretol). Cada um deles tem suas especificidades, efeitos colaterais e atuação diferenciada nas fases do TBH.

Outra classe de medicamentos que mais recentemente vem sendo indicada no tratamento do TBH é a dos antipsicóticos atípicos. Os principais são a Risperidona (Risperdal), a Olanzapina (Zyprexa), a Quetiapina (Seroquel), a Ziprasidona (Geodon), a Clozapina (Leponex) e o Aripiprazol (Abilify).

O tratamento do TBH freqüentemente necessita de associações de medicamentos para tratar os episódios e prevenir as recaídas. O antidepressivo pode ser necessário em associação com o estabilizador de humor para episódios depressivos mais graves. Associações de estabilizadores e antipsicóticos podem ser necessários para quadros maníacos, hipomaníacos, mistos ou com ciclagem rápida.

Casos refratários, ou seja, aqueles que não responderam às diferentes associações medicamentosas, devem ser elegíveis para a Eletroconvulsoterapia (ECT), popularmente conhecido como eletro-choque. O ECT é um procedimento médico, seguro, com bases científicas e eficácia reconhecida ao longo de décadas no tratamento de quadros psiquiátricos resistentes às medicações. Apesar do estigma e do preconceito criado em torno desse tratamento, hoje esse procedimento é feito sob anestesia, com supervisão de um psiquiatra e um anestesista, em clínicas preparadas para possíveis intercorrências clínicas, que são raras quando o tratamento é criteriosamente indicado. As principais entidades médicas internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), e nacionais, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), regulamentaram o ECT como parte do arsenal terapêutico da psiquiatria. Na prática, vemos pacientes que não responderam aos tratamentos convencionais tendo seu sofrimento aliviado, permitindo uma melhor qualidade de vida para si e seus familiares.


O TBH pode ser um transtorno de boa evolução quando tratado adequadamente. Os principais fatores que contribuem para um pior prognóstico são:

. Ausência de crítica do paciente em relação à doença;
. Recusa em fazer o tratamento e tomar a medicação;
. Diagnóstico tardio;
. Demora em buscar um tratamento adequado;
. Uso de antidepressivos ao longo da vida;
. Uso de anfetaminas, álcool ou outras drogas;
. Ausência de suporte familiar e presença de ambiente familiar conflituoso;
. Ausência de uma psicoterapia adjuvante à medicação.

26 de abril de 2006

Da Hiperatividade à Doença Mental: O Desenvolvimento da Criança e os Mecanismos de Adoecimento Psíquico.

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Bom dia. Gostaria de agradecer o convite para falar de um assunto tão instigante, novo e controverso como a Psiquiatria Infantil. Como o tema de nosso encontro é o Déficit de Atenção e Hiperatividade, utilizarei esse tema como gancho para falar de algo que acredito ser mais relevante para quem trabalha com educação, que é como entender as manifestações variadas de comportamento da criança sob a perspectiva de seu desenvolvimento, sem criar rótulos ou diagnósticos prontos, mas procurando compreender o contexto no qual aquela criança com comportamento deturpado se insere e que conseqüências isso pode ter para seu desenvolvimento até a fase adulta.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é conceituado como tal apenas pelo Manual Diagnóstico Norte-americano (DSM-IV), que prevê 3 tipos: Desatento, Hiperativo-Impulsivo e Combinado, dependendo da predominância dos sintomas de Desatenção e Hiperatividade. Já no Código Internacional de Doenças da OMS, o CID-X, o transtorno hipercinético (relativo à hiperatividade) e o transtorno da atividade e atenção são conceituados em separado. Isso significa que o diagnóstico de TDAH, nos moldes utilizados hoje, só pode ser diagnosticado levando-se em conta o DSM-IV.

Então, vamos aos critérios diagnósticos do TDAH segundo a DSM-IV, para que os senhores possam ter uma idéia dos conceitos de Desatenção, Hiperatividade e Impulsividade.


A Desatenção, para que seja considerada como TDAH, deve ter no mínimo 6 das seguintes apresentações, por mais de 6 meses, portanto de caráter duradouro, e deve ter prejuízos para o funcionamento da criança. As crianças desatentas em geral são muito dispersas, cometem erros por descuidos, não conseguem manter por muito tempo a atenção, mesmo em atividades lúdicas, podem não responder, porquê não escutaram, ou são desobedientes, porquê não prestam a devida atenção às ordens, não concluem atividades que começaram, não conseguem se organizar, evitam tarefas que exijam esforço mental (como leituras, deveres, mas adoram TV, jogos), perdem seus objetos na escola e em casa, esquecem facilmente (pode acontecer da criança esquecer de responder p.ex. uma questão de prova, ou porquê não viu, ou porquê pulou e depois esqueceu de voltar).

Da mesma forma, a Hiperatividade e a Impulsividade precisam ser duradouras, ter grande influência na vida da criança e ter ao menos seis das seguintes apresentações: crianças que são inquietas, agitam as mãos e pés, não conseguem ficar paradas, abandonando suas cadeiras em sala de aula, têm brincadeiras arriscadas, predileção por brincadeiras perigosas, como escalar, saltar, ficam "a mil", falam muito e alto, gritam, etc. Em relacção à impulsividade, a criança costuma dar respostas precipitadas antes das perguntas terem sido completamente formuladas, não conseguem aguardar sua vez, são precipitadas, interrompem ou se metem em conversas ou assuntos dos outros, sendo consideradas mal-educadas e sem limites.
É importante frisar que esses sintomas devem ocorrer precocemente, antes dos 7 anos de idade, devem trazer prejuízos a dois ou mais contextos, p.ex. o escolar e familiar, e deve haver prejuízos mensuráveis, como notas baixas, dificuldades de aprendizado, de relacionamento com seus pares, de obediência aos pais, etc. É fundamental, como veremos mais adiante, excluir outros transtornos que possam cursar com sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Uma questão que se coloca, e os senhores devem estar se perguntando como fazer um diagnóstico baseado em sintomas tão comuns em crianças, é se esses sintomas possuem algum grau de especificidade que nos permita dizer com assertividade que essa ou aquela criança tem TDAH. De fato isso é complicado, pois a desatenção e a hiperatividade são sintomas que podem ser comuns a diferentes distúrbios psíquicos e médicos.

A hiperatividade, p.ex., pode estar presente em condições clínicas como o hipertireoidismo, doenças neurológicas, como a epilepsia, reações psicológicas comuns da infância, como a ansiedade de separação da criança em relação aos pais, reações a traumas ou ao estresse e transtornos mentais diversos, que vão da psicose e da esquizofrenia até os transtornos afetivos, como o transtorno bipolar, os transtornos ansiosos, o TOC, entre outros. Portanto, a hiperatividade é um sintomas comum, bastante difícil de ser avaliado e que exige do médico um amplo entendimento do contexto no qual aquela criança se insere.

O mesmo ocorre na desatenção. Talvez até mais difícil de avaliar do que a hiperatividade, a desatenção é um sintoma subjetivo que se traduz em dificuldades de aprendizado, esquecimentos, perdas de objetos, etc. A rigor, a desatenção só pode ser diretamente avaliada por testes neuropsicológicos capazes de medir a atenção. Portanto, quando dizemos que uma criança tem dificuldade de aprendizado por desatenção, essa é uma inferência empírica, por ser provavelmente a única explicação que encontramos no momento, a menos que se faça uma testagem neuropsicológica e isso fique comprovado. A desatenção está comumente presente nas psicoses, nos transtornos afetivos, na ansiedade e em outras condições de saúde.

Essas considerações a respeito da desatenção e hiperatividade são paradigmáticas e servem de exemplo para alguns dos principais dilemas da psiquiatria. Qual o limite entre sintoma e doença? Em que momento consideramos que a freqüência e a intensidade dos sintomas passam a configurar um distúrbio? Isso pode ser algo arbitrário. Uns vão argumentar que depende do nível de mal-adaptação funcional e social do indivíduo, mas o que pode ser mal-adaptado para uns, não é para outros. Comparemos, p.ex., duas escolas, uma particular de classe rica e outra pública. Qual será a diferença do ponto de corte entre o que é normal e o que passa a ser patológico de uma para outra? Acredito que haja um consenso de que haverá diferenças. Portanto, definir estado de doença por lista de sintomas não é a melhor solução, mas isso nos remete a outro dilema da psiquiatria: quando falamos em doença mental, estamos falando de uma doença definida, ou seja, com fisiopatologia conhecida? Conhecemos seus mecanismos biológicos? Não, por isso mesmo evitamos em Psiquiatria falar em Doença e preferimos chamar de Transtorno. Como não conhecemos inteiramente a fisiopatologia, não sabemos se trata-se de uma doença definida ou se no grupo de doentes temos indivíduos que possivelmente tenham doenças distintas com apresentações muito semelhantes. Esse dilema persegue a psiquiatria desde sua origem, pois as doenças psiquiátricas são inicialmente definidas através dos sintomas e do comportamento. Todas as descobertas sobre a fisiopatologia, p.ex. da esquizofrenia, que melhor conhecemos, partiu do sintoma em direção à biologia, procurando entender as manifestações do comportamento sob o ponto de vista da neurociência. O terceiro dilema é conseqüência do segundo: se desconhecemos o exato mecanismo fisiopatológico, será que os tratamentos que utilizamos agem na questão central, ou, alternativamente, apenas tratam o sintoma? Será que estamos realmente influindo no curso da doença quando usamos precocemente o Metilfenidato (Ritalina), p.ex., ou estamos apenas melhorando a atenção e reduzindo o grau de hiperatividade? É claro que devemos tratar os transtornos, pois na pior das hipóteses estamos controlando sintomas que podem prejudicar a vida de uma pessoa, mas às vezes percebo que as promessas vão além disso. A verdade é que ainda conhecemos muito pouco para sairmos por aí com "verdades absolutas", por isso a necessidade de ouvirmos diferentes correntes de pensamento e sermos abertos a outros saberes sobre a doença mental, obviamente sem abrir mão da questão médica, que deve nos nortear.

Os objetivos desta palestra são que os senhores saiam daqui capazes de compreender que o adoecimento psíquico é um processo evolutivo multi-fatorial, com influências biológicas, psicológicas, familiares, sócio-econômicas e culturais. Portanto, é fundamental estar aberto a todos os aspectos que fazem parte do mundo de uma criança. Gostaria também que compreendessem um pouco o processo de desenvolvimento cerebral e a relação entre mente e cérebro, pois isso tem implicações para a origem das doenças mentais. E, ao final, apresentarei um modelo desenvolvido por uma célebre neurocientista, uma das maiores dos nossos tempos, a Dra Nancy Andreasen, sobre a causa dos transtornos mentais, baseado numa abordagem bio-psico-social, integrando biologia, psicologia e sociedade.

Preocupo-me muito com certas dicotomias criadas, talvez a partir de equívocos históricos da psiquiatria, mas também conseqüências dos dilemas que antes mencionei. Essas dicotomias, falsas dicotomias, dificultam e complicam a vida daqueles que sofrem de uma doença mental.

Elas podem decorrer de um entendimento empobrecido do que seja adoecimento psíquico, em parte por uma visão reducionista dos manuais diagnósticos. Quando comecei minha residência de psiquiatria no Instituto Philippe Pinel e fui apresentado ao CID-X e DSM-IV, passei a achar que tudo o que havia aprendido na faculdade sobre psicopatologia corria o risco de se reduzir a uma simples "receita de bolo", através da qual qualquer pessoa poderia fazer um diagnóstico. Pois esse é o maior risco dos manuais diagnósticos. Eles foram criados com o intuito de uniformizar os critérios em diferentes nações e culturas, permitir a pesquisa e contribuir para o avanço da ciência, na medida em que estabelecem uma metodologia menos heterogênea. Entretanto, na prática clínica e trazendo-os para a realidade do indivíduo, corre-se o risco de ser reducionista e concreto. Alerto para o que hoje considero uma “DSMização” da psiquiatria, com médicos muito presos aos critérios diagnósticos e menos atentos ou abertos às demais questões do indivíduo para além do sintoma. Isso pode mergulhar a psiquiatria num abismo, fazendo-a perder seu caráter humano e a capacidade de entender o indivíduo em seu contexto sócio-cultural.

A primeira dicotomia é Mente x Cerebro. O que é considerado cerebral ou neurológico é legítimo, real, já que o que vem da mente é considerado vago, abstrato, menos real. Isso traz um sofrimento grande para aqueles que têm uma doença mental e são obrigados a ouvir "você não tem nada", "é da sua cabeça, vê se acaba com isso" ou "é frescura, falta de ter o que fazer". Desde o período Neolítico a mente é considerada parte do cérebro. Foram encontrados crânios desse período com marcas de trepanação (furos no crânio), feitos para liberar os espíritos diabólicos, tidos como causa das doenças mentais. A mente é parte do cérebro, produto de suas atividades a nível molecular, celular e anatômico. Hipócrates fez a seguinte afirmação, considerando o cérebro como arcabouço de nossas emoções e pensamentos. "O Homem precisa saber que do cérebro, e apenas do cérebro, surgem nossos prazeres, alegrias, gracejos e risadas, bem como nossas tristezas, dores, desgostos e medos. Através dele, em particular, nós pensamos, enchergamos, ouvimos...". Portanto, não faz nenhum sentido separar a mente do cérebro, pois mesmos os limites cerebrais entre emoções, pensamentos e funções mais neurológicas são imprecisas e ainda não totalmente conhecidas. Fala-se, p.ex., que o cerebelo, parte do cérebro tida como responsável pela nossa motricidade, teria uma influência na maneira como encadeamos nossas idéias.

Outra falsa dicotomia é a Farmacoterapia x Psicoterapia. Ela leva a uma outra dicotomia muito mais difícil de ser desfeita, a Biologia x Psicologia. Ela parte de um raciocínio lógico baseada na dicotomia cérebro x mente: se a doença é mental, deve ser tratada com psicoterapia, se é física ou está no cérebro, precisa de medicamentos que atuem no cérebro. Isso representa a dificuldade em reconhecer ou o desconhecimento de que psicoterapias também agem no cérebro, ensinando-o novas formas de resposta e adaptação, que são traduzidas em mudanças na maneira como pensamos, sentimos e agimos. Isso é conseqüência da plasticidade cerebral, que abordaremos mais adiante. Portanto, a psicoterapia é tão biológica quanto as medicações e a responsabilidade dos psicoterapeutas não deve ser menor do que a dos médicos nesse sentido.

A terceira dicotomia, essa desmantelada mais recentemente, é a Gene x Ambiente. A primeira pergunta é se a doença mental é genética ou ambiental. Porquê "ou" e não "e"? Depois é a crença de que sendo a doença genética, pouco temos a fazer, sendo ambiental, podemos tratá-la ou mesmo curá-la. E pior ainda é o pensamento de que o que é genético é físico, biológico, veradeiro. O que é ambiental é porquê a pessoa não foi forte o suficiente para evitar a doença, deve-se a uma fragilidade ou defeito moral ou a uma dificuldade pessoal em lidar com os problemas.


A maior parte das doenças, inclusive as mentais, são causadas por uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Isso é mais fácil de entender pegando como exemplo a doença coronariana. Ninguém discute que existe um componente hereditário, mas que hábitos como fumar, sedentarismo, alimentação e estresse influenciam muito no adoecimento. Quando vemos o percentual de concordância de doença entre gêmeos idênticos, que têm o mesmo material genético, vemos que esse percentual é de 40%. Ou seja, 60% são devidos a fatores ambientais. Em geral, gêmeos idênticos têm apenas 50% de concordância para transtornos mentais, ressaltando a importância dos fatores não-genéticos.


Outro aspecto importante é que os genes, assim como o cérebro, são plásticos, ou seja, podem ser influenciados pelo ambiente a se expressarem mais ou menos. Por exemplo, na vigência de uma medicação que bloqueie alguns receptores, eles podem determinar que a célula produza mais receptores para compensar a inutilidade daqueles que estão bloqueados. Não se sabe exatamente como os genes atuam em resposta ao ambiente, mas sabe-se que o ambiente pode influenciar muito a expressão gênica, o que nos livra do determinismo genético e explica em parte a diferença entre gêmeos idênticos quanto a concordância das doenças.


Para que os senhores compreendam melhor o modelo etiológico das doenças mentais, é necessário abordarmos o Desenvolvimento Cerebral.

Essas são as fases principais do desenvolvimento do Sistema Nervoso Central: formação neuronal, migração neuronal, proliferação de dendritos e axônios, sinaptogênese ou geração das sinapses, mielinização, que é a produção da bainha de mielina, poda das sinapses e apoptose ou morte celular programada. Falarei de cada uma dessas fases.

Os neurônios são inicialmente formados no meio do cérebro, através de células-tronco que se diferenciam em neurônios. Após acúmulo de um emaranhado de neurônios, eles iniciam uma migração, formando novas colônias, que lentamente darão origem aos hemisférios cerebrais, córtex cerebral e núcleos da base do cérebro. Esse processo ocorre no desenvolvimento intra-útero, através de substâncias químicas produzidas pelo DNA que estimulam a diferenciação e migração neuronal.

Ainda durante o desenvolvimento intra-útero, após se fixarem, os neurônios enviam longos fios para se conectarem uns aos outros, é o que chamamos de axônios (cada neurônio tem um axônio). Os axônios ligam-se aos dendritos, que são ramificações mais curtas e mais próximas do corpo celular do neurônio. Com a progressão dessas formações axônicas e dendríticas, o cérebro fica repleto de fibras (que são o conjunto de axônios e dendritos), que cruzam o cérebro como grandes rodovias, ligando diferentes regiões e passando de um hemisfério a outro através de uma ponte de ligação conhecida por corpo caloso. É razoável imaginarmos que qualquer interferência nesse processo de desenvolvimento vai acarretar em distúrbios neurológicos graves, já que prejudicará a formação de grande parte da anatomia cerebral.

Essa foto é de um neurônio de rato na fase intra-útero, mostrando o corpo celular e suas inúmeras ramificações (dendritos e axônio).

A fase mais importante para a psiquiatria é a sinaptogênese. Ela inicia-se no período intra-útero, mas ocorre profusamente nos primeiros anos de vida, influenciada pelo DNA, mas também pelo ambiente. É o que ocorre durante o desenvolvimento da visão, do tato, da linguagem, etc. Depende muito dos estímulos ambientais para que ocorra de forma saudável. As sinapses são estruturas que permitem um neurônio "conversar" com outro. Como eles não se tocam, a sinapse transforma o estímulo elétrico que chega pelo axônio em estímulo químico, produzindo substâncias que são liberadas na fenda sináptica e são captadas pelos dendritos, dando sequüência a comunicação. A mielinização é a produção da bainha de mielina por células da glia, que possibilitam a transmissão rápida do estímulo elétrico pelo axônio. São capas de mielina que circundam o axônio e deixam um espaço entre elas para que o estímulo elétrico salte de um espaço a outro, acelerando a transmissão.

Outra fase de crucial importância para entendermos a origem das doenças mentais é a poda sináptica. Inicialmente há um excesso de produção de sinapses, algumas mostrar-se-ão desnecessárias durante o processo de amadurecimento cerebral e serão podadas. Como uma grande árvore que precisa ser podada para não comprometer outras estruturas. Esse processo de poda ocorre a partir dos 2 anos de idade e se extende até o final da adolescência, aos 21 anos, quando se encerra o processo de desenvolvimento cerebral. Esse processo é altamente influenciado por estímulos ambientais, mais ou menos como a lei do "uso-desuso". Se determinadas sinapses são muito usadas, elas ficam, as que não têm função são podadas. Diferentemente das fases mais precoces do desenvolvimento cerebral, problemas com as fases de sinaptogênese e poda sináptica não vão gerar prejuízos para a anatomia cerebral, mas podem acarretar em alterações das funções cerebrais, ou seja, a maneira como as diferentes regiões cerebrais "conversam" entre si. Como as funções superiores, como a linguagem, o raciocínio, a emoção, os sentimentos, a capacidade de concentração, a memória, entre outras, são as que se desenvolvem mais tardiamente, influências que prejudiquem a formação e poda das sinpses podem prejudicar essas funções na infância, juventude e vida adulta.

Para exemplificar o processo de poda sináptica, temos uma foto à esquerda de um neurônio de rato em fase intra-útero e à direita na fase adulta. Percebam como o neurônio da esquerda tem mais ramificações, logo mais sinapses, do que o neurônio da direita, já com algumas sinapses podadas e, portanto, com menos ramificações.

Esse processo de sinaptogênese e poda sináptica faz parte do conceito de Plasticidade Cerebral, que é a capacidade dinâmica do cérebro se moldar de acordo com o ambiente e suas experiências, criando mudanças que serão guardadas para uso posterior, tornando o indivíduo progressivamente mais adaptado ao meio. Esse conceito vem desde 1949, após observação feita por Donald Hebb de que a capacidade para aprender novas informações advinha de alterações a nível celular, com fortalecimento das conexões sinápticas. Neurônios que são disparados juntos a partir de um estímulo, permanecem juntos, unidos por conexões mais fortes. Sempre que aquele estímulo aparecer, o cérebro dispara o mesmo conjunto de neurônio, associando assim o estímulo a um "caminho" neuronal já trilhado, permitindo as diversas associações. A memória é o maior exemplo da nossa capacidade de plasticidade cerebral, mesmo após encerrado o desenvolvimento. Mesmo na fase adulta somos capazes de novas memorizações, que são traduzidas a nivel celular em novas conexões sinápticas e fortalecimento das conexões já existentes. Daí a importância de estarmos sempre exercitando nossa memória através de leitura e raciocínio.

Nessa ilustração, um exemplo da capacidade de plasticidade. Quando aprendemos um instrumento, diferentes áreas do cérebro se remodelam e se adaptam, como as áreas responsáveis pela visão, tato, motricidade e audição.

David Hubel e Torstem Wiesel ganharam o prêmio Nobel por adicionar ao conceito de plasticidade cerebral dois conceitos importantes: Período Crítico e Aprendizado Atividade-dependente.

Período Crítico é aquele período crucial, durante o qual o estímulo ambiental é fundamental e tem que existir em quantidade suficiente para o completo desenvolvimento de uma determinada função (p.ex, visão, audição, tato e linguagem precisam do estímulo ambiental para se desenvolverem). Isso explica porquê crianças aprendem línguas mais facilmente do que adultos e porquê adultos, apesar de se esforçarem muito, têm sotaque, enquanto crianças não. O aprendizado nesse caso é possível fora do período crítico, mas algumas qualidades (ausência de sotaque) não serão alcançadas após esse periodo. Um filme fabuloso de Werner Herzog, "O Enigma de Kaspar Hauser", serve de exemplo e é mandatório para aqueles que trabalham com educação e saúde mental. Trata-se de uma história, baseada em fatos reais, de um rapaz que é criado em um porão, sem qualquer estímulo, e solto na vida adulta em uma cidade do interior da Alemanha, virando a atração principal da cidade e sendo criado pelos moradores. Sem conseguir desenvolver direito a linguagem e com dificuldade para experimentar emoções, termina sendo discriminado pela maioria, que o consideram uma aberração humana. Após sua morte, é autopsiado e médicos acreditam ter descoberto a razão anatômica de seu cérebro para aquele comportamento.

Essa figura serve de ilustração para um exemplo que dou a seguir. Uma criança que perde uma visão ao nascer forma, em ambos os hemisférios, áreas de representação visual a partir de um único olho. Caso perca a visão após o período crítico, essa suplência não ocorrerá.

O conceito de Aprendizado Atividade-dependente explica as mudanças que podem ocorrer no cérebro a partir das experiências ambientais, psicológicas ou biológicas. É como atuam os tratamentos farmacológicos e psicoterápicos, p.ex. É como traumas da vida podem gerar memórias irreversíveis.

Portanto, essa frase é verdadeira: "Nós podemos mudar quem e o que somos pelo que vemos, ouvimos e dizemos". Terapias psicológicas ajudam as pessoas a reformular suas respostas emocionais e cognitivas e essa modulação é consequência de processos biológicos no cérebro. Uma medicação, eliminando alguns sintomas, p.ex., a impulsividade, pode ajudar a pessoa a ter outra postura diante da vida e com isso reformular suas atitudes, uma forma de aprendizado atividade-dependente. Esse princípio também explica como injúrias físicas ou psicológicas precoces, durante períodos críticos, podem afetar o cérebro, como, p.ex., a exposição exagerada e precoce à TV e a exposição às cenas de violência.

Essa é na minha opinião a grande relação entre transtorno mental e desenvolvimento e plasticidade cerebral. Na infância e adolescência, momento de maior influência ambiental sobre o desenvolvimento cerebral, a ocorrência de traumas psicológicos, infecções graves do SNC, como meningites e encefalites, traumatismos cranianos, exposição a toxinas ou outros eventos físicos ou psicológicos podem afetar o equilíbrio do desenvolvimento cerebral normal, tornando a criança predisposta a desenvolver algum distúrbio mental no futuro. Os genes de susceptibilidade a uma determinada doença podem ser ativados por eventos ambientais e desencadear um processo de adoecimento.

Um exemplo atual de como o meio pode produzir doença é o Bullying. Bullying é um evento muito comum entre crianças e adolescentes e acontece na maioria das vezes na escola. Trata-se de agressões intencionais praticadas por estudantes que causam humilhação a outros, colocando apelidos, estigmatizando, ofendendo, zoando, excluindo, intimidando, ferindo colegas que em geral apresentam algum sinal de vulnerabilidade (obeso, com acne, ingênuo, infantil, com maior dificuldade de aprendizado). O Bullying envolve, além do agressor (um tipo autoritário, arrogante, acostumado a usar do poder e da intimidação para conseguir vantagens ou simplesmente para se exibir), um expectador, que nem sempre apóia a agressão, mas que indiretamente a estimula. Os agressores podem vir de famílias desestruturadas, com pobre envolvimento afetivo, têm pouca supervisão dos pais e estão acostumados a um ambiente familiar onde o comportamento explosivo ou agressivo é usado para solucionar problemas.

Um estudo em Portugal mostrou que até 22% dos alunos de 6 a 16 anos já foram vítimas de Bullying, a maioria no pátio da escola, já que os agressores sempre procuram os momentos livres de inspetores e professores para agir. Esse tipo de abuso psicológico, e às vezes físico, pode trazer sérias conseqüências para a vítima, desde a queda no rendimento escolar, até a sintomas depressivos, fobia escolar e suicídio.

Esse é o modelo de Nancy Andreasen para o Desenvolvimento das Doenças Mentais. A causa, como já frisamos, é multi-fatorial, envolvendo de aspectos genéticos e expressão gênica até afecções virais, traumas de parto, fatores nutricionais e estressores psicológicos. Esses fatores atuariam de diferentes maneiras sobre a estrutura e função cerebral, afetando o seu desenvolvimento, provocando alterações plásticas ou químicas. As alterações sobre estruturas e funções cerebrais modificariam o funcionamento de funções mentais como a memória, a emoção, a linguagem, a capacidade de atenção e até a consciência. Com algumas de suas funções mentais prejudicadas, a pessoa passaria a agir e responder ao ambiente, dentro de um contexto particular de vida (que é unico), com sintomas e comportamentos diferentes ou desviantes, ora considerados patológicos. A reunião desses sintomas e sinais, que comporão a síndrome mental, poderá servir de diagnóstico para uma doença mental específica (depressão, esquizofrenia, TDAH, etc). Portanto, percebam mais uma vez, que os sintomas na psiquiatria são epifenômenos, produtos de uma interação complexa do meio com as funções mentais alteradas, essas últimas sim, aquelas que darão pistas para a descoberta da fisiopatologia das doenças.

Alguns fatores de risco são conhecidos para algumas doenças mentais, como a esquizofrenia, p.ex., que já conta com estudos de coorte (baseado em uma população definida). Entretanto, muitos desses fatores podem ser relacionados a outras doenças mentais. A lógica é a mesma que apresentei no slide anterior, o fator de risco influenciando as estruturas e as funções cerebrais, através de alterações provocadas durante o desenvolvimento do SNC. Na vida pré-natal, infecções maternas virais ou bacterianas por influenza, rubéola, herpes, entre outras, podem aumentar o risco de doenças mentais. Kinney relacionou em um estudo a experiência de morte do esposo e eventos catastróficos durante a gestação ao risco aumentado de desenvolver esquizofrenia.

No período perinatal e neonatal podem ocorrer complicações da gravidez, crescimento fetal anormal e complicações do parto que são fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais ao longo da vida.

Durante o desenvolvimento da criança, pequenas manifestações, que geralmente passam despercebidas pela infância, têm sido associada a esquizofrenia quando presentes em filhos de pais esquizofrênicos, como comprometimento motor fino na primeira infância, déficit de atenção e processamento na segunda infância e déficits cognitivos na adolescência, além de desajuste social e do comportamento. Desajuste emocional e social na infância foram considerados por outro estudo como marcadores mais gerais para vários outros transtornos mentais na idade adulta.

Certamente que genes interagem com o ambiente, mas desconhecemos os mecanismos de ativação genética a partir de experiências ambientais, mas especula-se que fatores ambientais possam "despertar" genes de susceptibilidade a várias doenças.


Diante desses aspectos, é necessário ampliarmos o nosso conceito de vulnerabilidade e aprender a reconhecer os problemas da infância e juventude e entendê-los melhor. Não basta fazer um diagnóstico e prescrever um tratamento, acreditando que esse ou aquele problema vá se resolver. Ele pode evoluir de diferentes maneiras e ainda contar com influências negativas de um tratamento mal-indicado, que futuramente trará mais problemas para a pessoa.

Kim-Cohen publicou um estudo que mostrou que quase 75% dos adultos com algum transtorno psiquiátrico aos 26 anos tinham um transtorno diagnosticável na infância, metade deles entre 11 e 15 anos de idade. Os diagnósticos da infância não necessariamente correspondiam ao da fase adulta. Seria o equivalente ao que ocorria na década de 70, quando criancas, hoje adultos com transtornos diversos (depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar), eram diagnosticadas como disrítmicas e eram tratadas com anticonvulsivantes. Uma previsão alarmante feita por Kessler é que até os 16 anos, 40% dos adolescentes terão tido um ou mais transtornos psiquiátricos e que crianças ou adolescentes com história psiquiátrica são 3 vezes mais propensos a serem diagnosticados na idade adulta com algum distúrbio mental do que aqueles sem história prévia.

Para finalizar, gostaria de ressaltar a importância do entendimento abrangente do sintoma psiquiátrico dentro do contexto sócio-familiar, dizer que os instrumentos psiquiátricos, como as classificações e manuais de diagnóstico, são insuficientes para uma boa prática clínica e que os sintomas na criança são mutáveis e não podem ser avaliados transversalmente. Quero dizer aos senhores que o sintoma na psiquiatria não é doença-específico, que delírio e alucinação não significam necessariamente esquizofrenia e hiperatividade e desatenção não significam sempre TDAH.

Os tratamentos precisam ser bem indicados. O que pode ser bom para um, pode não ser para todos. Precisamos individualizar encaminhamentos e tratamentos. Mas não devemos deixar de examinar a situação de uma criança com problemas. Devemos garantir a essa criança uma avaliação ampla, devemos envolver os pais e outros familiares e zelar pelo ambiente dessas crianças, longe de preconceitos, cultivando a boa convivência e a amizade entre seus pares.
Muito obrigado!

Palestra apresentada pelo Dr. Leonardo Figueiredo Palmeira em 26 de Abril de 2006 na Secretaria de Educação de São Gonçalo - Rio de Janeiro.

24 de abril de 2006

Formação e Atuação Profissional



  • Formado pela faculdade de medicina da UFRJ e com especialização e pós-graduação em Psiquiatria pelo Instituto Philippe Pinel, Rio de Janeiro, onde realizou sua residência médica entre 1999 e 2001.
  • Título de especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria, da qual é membro desde 2001 e Membro da Sociedade Internacional de Pesquisa em Esquizofrenia (Schizophrenia International Research Society) desde 2005.
  • Autor do livro "Entendendo a Esquizofrenia: Como a Família pode Ajudar no Tratamento?", publicado em 2009 pela Editora Interciência.
  • Editor do portal "Entendendo a Esquizofrenia" www.entendendoaesquizofrenia.com.br
  • Foi pesquisador do programa de Esquizofrenia e Cognição do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), entre 2000 e 2007.
  • Coordenou o Programa de Psicoeducação para familiares de portadores de esquizofrenia do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ), da Secretaria de Estado de Saúde, entre 2000 e 2007.
  • Foi psiquiatra do Instituto Nacional do Câncer (2006-2007), da Rede D´or (Hospital Dr. Badim - 2008), da Clínica São Vicente da Gávea (2007-2009) e da Secretaria Estadual de Saúde (2001-2010).
  • Participa de congressos nacionais e internacionais, sendo os mais recentes a Conferência Internacional da Sociedade de Pesquisa em Esquizofrenia, em Florença, Itália (2010) e o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em São Paulo (2009).
  • Atualmente atua na clínica privada e faz pesquisa sobre intervenções/terapias de famílias com pacientes com transtornos mentais graves, no Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB).